quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Para combater a corrupção, uma gostosa empunhando a espada


Dalmo Dallari e a corrupção


Entrevistado pela BBC Brasil, o jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Dalmo Dallari.

BBC Brasil: Assim como o governo fala em ter como objetivo erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo insignificante?

Dalmo Dallari: Acho que a corrupção é um fenômeno universal. Eu não acho crível a eliminação total, seria fantasioso. A experiência da humanidade mostra isso.
Houve momentos em que se disse que a corrupção no setor público era característica do capitalismo. Depois, se verificou que o desmoronamento da URSS se deveu em grande parte ao altíssimo nível de corrupção.
Há também um erro ao fazer a comparação entre países mais adiantados e mais atrasados, ou entre tipos de cultura.
É necessário, sim, que haja um combate, que haja denúncias e que se procure reduzir ao mínimo, mas a possibilidade da eliminação total é fantasiosa.



BBC Brasil: Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a corrupção?

Dallari: Eu começaria pela conscientização das pessoas. As pessoas precisam estar conscientes de que o patrimônio público é de todos, de que os interesses comuns devem prevalecer.
A corrupção em grande parte é reflexo de atitudes egoístas, de pessoas que vão buscar o seu interesse, a sua conveniência, ignorando o interesse comum, a responsabilidade comum. É uma questão de preparação para a cidadania. É preciso que desde a escola básica se comece a trabalhar a formação da consciência de cidadania.
A busca da cidadania é mais eficaz porque infunde uma consciência de responsabilidade e da ética nas relações humanas e, mais importante, nas relações públicas. Temos que falar nos direitos da cidadania, mas também nas responsabilidades da cidadania.
Claro que também é necessário pensar em métodos de controle, de denúncia e, mais do que isso, na punição efetiva dos corruptos.
Importante também é pensar que a corrupção implica em corruptor e corrompido, embora a grande imprensa só mencione o corrompido, mantendo silêncio ou quase nada falando daqueles, inclusive grandes empresários, que são agentes da corrupção. No momento de punir, é preciso punir todos aqueles que de alguma forma participam do processo.



BBC Brasil: O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi antes?

Dallari: Eu não acredito nisso. Eu estive no combate à ditadura de 1964, e posso dizer que muitas das resistências à Comissão da Verdade e à revelação dos fatos daquela época se deve a isso - não só a denúncia e conhecimento de violências, mas ao fato de que havia muita corrupção, com a utilização do sistema ditatorial para se praticar a corrupção.
Mas isso tivemos também anteriormente, como na ditadura (do ex-presidente Getúlio) Vargas ou depois de 1946, com a redemocratização. Ou seja, não é um fenômeno de forma alguma novo. Muitos desses sistemas são antigos, e agora apenas mudaram as pessoas que participam dele, mas não foram sistemas criados agora.
Não tenho nenhuma vinculação partidária, nunca fui vinculado ao PT, mas acho que, em grande parte , as denúncias, o escândalo que se faz em torno disso tem motivação política. É uma forma de dar uma forma negativa ao atual sistema que governa o país.


BBC Brasil: É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que outros países?

Dallari: Acho que não. Isto não é privilégio do Brasil, nem da América Latina ou dos países africanos, é um fenômeno universal.
Se nós quisermos, vamos facilmente localizar outros países que são mais corruptos que o Brasil. Eu lembraria inclusive países avançados, europeus, como a Itália, que está mergulhada na corrupção há muito tempo e continua assim.
Lembro também que, há não muito tempo, a Grã-Bretanha viveu problemas de corrupção no governo do (ex-primeiro-ministro) Tony Blair.



BBC Brasil: Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas comuns?

Dallari: Isso é extremamente importante e é, ao meu ver, o ponto de partida. É da pequena corrupção que decorre a grande corrupção.
Muitos políticos, mandatários notoriamente corruptos, são eleitos e reeleitos com alto índice de votação. Ou seja, o próprio eleitor que fala contra a corrupção, fala contra os corruptos, vota em corruptos sabendo que são corruptos. Isso é falta de consciência política e de consciência de cidadania, e mesmo falta de consciência da responsabilidade ética implicada na vida social.
Esse é o ponto de partida, é o despertar de consciência e de mentalidades que rejeitem a corrupção. Tudo deve começar por aí, mas, claro, tendo sequência no aperfeiçoamento de sistemas de controle e buscando a efetiva punição dos corruptos.



BBC Brasil: Essa "pequena corrupção" tem algo de aceitável?

Dallari: Não creio nisso. É falta de consciência e falta de informação. São necessárias leis que prevejam punição em todos os casos, até para que haja caminhos institucionais para o controle e a punição, para que isso não dependa da vontade de um governante, de um agente, ou do capricho de alguém. É preciso que haja regras claras que tenham legitimidade e se apliquem.


BBC Brasil: A impunidade da corrupção no âmbito político partidário, de alguma maneira, incentiva a corrupção no cotidiano?

Dallari: Há sem dúvida a exploração dessa inconsciência e da relativa facilidade de uso da corrupção. Então, nas práticas político-eleitorais, está a esperança ou a quase certeza de que se poderá usar da corrupção com fins políticos, para captar votos, e isso é um fator de alimentação da corrupção, então é preciso que se preveja essa hipótese, com meios de controle e punição.
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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Justiça seja feita


Fêz-se vingança, não justiça

05/05/2011
por Leonardo Boff

Alguém precisa ser inimigo de si mesmo e contrário aos valores humanitários mínimos se aprovasse o nefasto crime do terrorismo da Al Qaeda do 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque. Mas é por todos os títulos inaceitável que um Estado, militarmente o mais poderoso do mundo, para responder ao terrorismo se tenha transformado ele mesmo num Estado terrorista. Foi o que fez Bush, limitando a democracia e suspendendo a vigência incondicional de alguns direitos, que eram apanágio do pais. Fez mais, conduziu duas guerras, contra o Afeganistão e contra o Iraque, onde devastou uma das culturas mais antigas da humanidade nas qual foram mortos mais de cem mil pessoas e mais de um milhão de deslocados.
Cabe renovar a pergunta que quase a ninguém interessa colocar: por que se produziram tais atos terroristas? O bispo Robert Bowman de Melbourne Beach da Flórida que fora anteriormente piloto de caças militares durante a guerra do Vietnã respondeu, claramente, no National Catholic Reporter, numa carta aberta ao Presidente:”Somos alvo de terroristas porque, em boa parte no mundo, nosso Governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso Governo faz coisas odiosas”.
Não disse outra coisa Richard Clarke, responsável contra o terrorismo da Casa Branca numa entrevista a Jorge Pontual emitida pela Globonews de 28/02/2010 e repetida no dia 03/05/2011. Havia advertido à CIA e ao Presidente Bush que um ataque da Al Qaeda era iminente em Nova York. Não lhe deram ouvidos. Logo em seguida ocorreu, o que o encheu de raiva. Essa raiva aumentou contra o Governo quando viu que com mentiras e falsidades Bush, por pura vontade imperial de manter a hegemonia mundial, decretou uma guerra contra o Iraque que não tinha conexão nenhuma com o 11 de setembro. A raiva chegou a um ponto que por saúde e decência se demitiu do cargo.
Mais contundente foi Chalmers Johnson, um dos principais analistas da CIA também numa entrevista ao mesmo jornalista no dia 2 de maio do corrente ano na Globonews. Conheceu por dentro os malefícios que as mais de 800 bases militares norte-americanas produzem, espalhadas pelo mundo todo, pois evocam raiva e revolta nas populações, caldo para o terrorismo. Cita o livro de Eduardo Galeano “As veias abertas da A.Latina” para ilustrar as barbaridades que os órgãos de Inteligência norte-americanos por aqui fizeram. Denuncia o caráter imperial dos Governos, fundado no uso da inteligiência que recomenda golpes de Estado, organiza assassinato de líderes e ensina a torturar. Em protesto, se demitiu e foi ser professor de história na Universidade da Califórnia. Escreveu três tomos “Blowback”(retaliação) onde previa, por poucos meses de antecedência, as retaliações contra a prepotência norte-americana no mundo. Foi tido como o profeta de 11 de setembro. Este é o pano de fundo para entendermos a atual situação que culminou com a execução criminosa de Osama Bin Laden.
Os órgãos de inteligência norte-americanos são uns fracassados. Por dez anos vasculharam o mundo para caçar Bin Laden. Nada conseguiram. Só usando um método imoral, a tortura de um mensageiro de Bin Laden, conseguiram chegar ao su esconderijo. Portanto, não tiveram mérito próprio nenhum.
Tudo nessa caçada está sob o signo da imoralidade, da vergonha e do crime. Primeiramente, o Presidente Barak Obama, como se fosse um “deus” determinou a execução/matança de Bin Laden. Isso vai contra o princípio ético universal de “não matar” e dos acordos internacionais que prescrevem a prisão, o julgamento e a punição do acusado. Assim se fez com Hussein do Iraque,com os criminosos nazistas em Nürenberg, com Eichmann em Israel e com outros acusados. Com Bin Laden se preferiu a execução intencionada, crime pelo qual Barak Obama deverá um dia responder. Depois se invadiu território do Paquistão, sem qualquer aviso prévio da operação. Em seguida, se sequestrou o cadáver e o lançaram ao mar, crime contra a piedade familiar, direito que cada família tem de enterrar seus mortos, criminosos ou não, pois por piores que sejam, nunca deixam de ser humanos.
Não se fez justiça. Praticou-se a vingança, sempre condenável.”Minha é a vingança” diz o Deus das escrituras das três religiões abraâmicas. Agora estaremos sob o poder de um Imperador sobre quem pesa a acusação de assassinato. E a necrofilia das multidões nos diminui e nos envergonha a todos.
Leonardo Boff é autor de Fundamentalismo,terrorismo , religião e paz, Vozes 2009.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Poesia

QUANDO A CÓSMICA INDIFERENÇA DA VIDA ESTÁ PERTO


Quadro de Francine Van Hove


Este é um modo especial
de me reconhecer quando pouco
sei quem sou ou quando a vida
em sua cósmica indiferença
me atropela sem muito barulho.

Primeiro procuro os meus detalhes
perdidos: as coisas que me fizeram
chegar até aqui, especialmente,
as mais adoráveis e simples.
Depois, vasculho os olhares alheios,
tentando pescar de outras bocas
se sou louca ou se algum dia fui sã.

Não espero muito para amanhã.
Corro e redesenho
todas as coisas que me fazem
maior do que sou,
mais iluminada,
mais inexplicável.

E sem deixar me reduzir
pela indecisão nossa de cada dia,
salto para dentro do meus caos
essencial, rasgando a pele,
fraturando os céus,
gritando para afastar
o medo que todo dia está mais perto.

Quando o sol está aberto
e eu posso enxergar as minhas imperfeições
com clareza, fico nua diante
de mim, de ti, dessa
que ainda pouco entendo
e que muito desconheço
e morrendo de dentro para fora
e de fora para dentro,
eu cresço.


Karla Bardanza



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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Putocrácia econômica

A corrida dos lemingues
 
Os últimos desdobramentos desse segundo round da crise econômica mundial dão inteira razão a quem acha que a estupidez humana não tem limites.
 
Uma agência de classificação de riscos completamente desacreditada foi capaz de fazer as bolsas de valores de todo o mundo viver um dia para se esquecer.
 
Claro que as notícias sobre o desempenho fiscal de alguns países da Eurolândia e dos Estados Unidos já estavam fazendo os investidores olhar desconfiados para suas aplicações, mas o que se viu na segunda-feira foi algo que supera qualquer noção do que seja a irracionalidade.
 
Delfim Netto, economista que está milhares de anos-luz de expressar um grão de simpatia por ideias da esquerda, homem umbilicalmente ligado ao pensamento capitalista, expressou de maneira irretocável as cenas da segunda-feira, em artigo que escreveu para o "Valor":
 
"Houve novidade na última semana? Nenhuma! Talvez apenas a confirmação que a 'racionalidade' dos agentes no mercado é a mesma dos carneiros de Panurge, o célebre personagem criado por Rabelais: tendo sido um deles jogado ao mar, foi fielmente seguido pelos outros. O mercado é a 'manada'. É a 'imitação'. É o contágio. É a busca da segurança na insegurança: todos seguem todos, supondo que o vizinho sabe o que está fazendo. Aliás, foi aquele o exemplo dado pelo maior matemático do século XIX, Henry Poincaré (1854-1912), para não dar o grau máximo à tese de Louis Bachelier, o criador da economia financeira, cujo elegante modelo supunha que o comportamento dos agentes fosse independente..."
 
É isso. O mundo, bilhões de pessoas, bilhões de sonhos e esperanças, toda uma intrincada rede de relações sociais e econômicas, o próprio futuro da humanidade, depende, em última instância, dos humores desse tal de "mercado", essa entidade incorpórea, essencialmente deletéria, que não tem escrúpulos de fazer unicamente o que só a ela interessa, só a ela dá lucros, e, pior de tudo, quando frente a um problema age como uma manada descerebrada, como lemingues que se jogam no mar no fim de uma longa viagem.
 
E nesse oceano de insensatez, quando mais se precisa de lideranças fortes, firmes, que saibam separar a ficção da realidade, o que se vê é simplesmente um bando de homens frouxos, mergulhados até o pescoço nos dejetos deste pantanal de iniquidades que ajudaram a criar e, com zelo inestimável, preservam.
 

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